sábado, 12 de junho de 2010

A flor no cimento


Ela simplesmente desistira. Já sofrera demais, já vira coisas demais que preferia nunca ter visto. Tudo isto a marcara de um jeito que ninguém imaginou; foi saindo de casa cada vez menos, foi ficando cada vez mais sozinha. Preferia assim, a certeza de nada de mal lhe atingir, a segurança. Passava tardes inteiras lendo. Tudo estava bem. Gostava de aprender, lia muito sobre tudo, sabia muito. Às vezes só queria ter com quem compartilhar todas as informações que possuía, mas se esse era o preço da segurança, tudo bem.
Ela tinha um único amigo no mundo, ele morava na mesma cidade que ela, mas nunca haviam se visto. Falavam-se através de cartas, já que nem telefone ela possuía. No dia que as cartas dele chegavam ela sentia uma alegria tão grande, e ia correndo respondê-las. Ele sabia de tudo sobre ela, os medos, as incertezas. Ele tinha outros amigos, saía, ia a universidade, não gostava muito de estudar. Mas ele via nela algo de especial, ele queria ajudá-la.
Certo dia, mesmo depois de muitos avisos de nunca ir a casa dela, ele foi. Tocou a campainha e esperou. Esperou, esperou e esperou. Ela estava do outro lado da porta, decidindo se abriria ou não a porta. Quem era aquele rapaz? O que ele queria? Por que viera perturbá-la? Depois de um tempo, gritou e perguntou quem era. E ele disse que era um amigo. Ela abriu a porta o suficiente pra deixar a mostra só seus olhos e seu nariz. Ele explicou o motivo da visita, precisava conversar com ela. Deixou-o entrar. Sentaram no sofá, e ficaram um tempo em silêncio. Ele começou falando sobre o fato dela não sair de casa, e ela disse que era melhor assim, tinha muita coisa ruim e feia lá fora. Ele disse que era verdade, que todas as pessoas do mundo vêm coisas horrendas, decepcionam-se, choram. Todos têm dias incrivelmente ruins, em que pensam que era melhor realmente não terem saído de casa. Mas, além disso, há os dias bons, aqueles que fazem as pessoas esquecerem os dias ruins. Os dias em que há gargalhada, amigos, amores, beijos, sorvete, cinema, flores, abraços, parque, mãos dadas, piada. Dias comuns que viram especiais por conta de algum elemento que muitas vezes não se dá importância, e ela estava perdendo. Ele disse que sabia que dentro de casa ela estaria segura. Segura e só. Ela estava perdendo o próprio viver, afinal, era nisso que consistia, nas tristezas e felicidades que nos faz ser quem somos. As tristezas e medos que ensinam tanta coisa, e as pequenas alegrias que mostram que muita coisa ainda vale à pena. Quanto tempo fazia que ela não via um bebê sorrir? Ou um casal de velhinhos andando de mãos dadas? Ela estava perdendo. Ela não via as coisas horrendas, verdade. Mas ela também não via as maravilhas. “No final de tudo, o que você contará, que passou a vida toda vendo a vida passar pela janela da sala?”
Ela demorou um pouco pra absorver todas aquelas idéias, ela levantou e foi até a janela. No muro da casa da frente uma florzinha nascia, no meio de todo o cimento, ela crescia. A menina então foi em direção a porta, abriu-a e saiu de casa.

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