sábado, 6 de abril de 2013


            Com todos os remédios numa caneca, ela escreve. Amarelos, azuis, vermelhos e brancos. Não, não são borboletas. Ela escreve e pensa. Meu Deus, onde fui chegar, ela pensa, e escreve. Sempre fui tão otimista, aquelas retardadas que sempre pensam que a vida pode melhorar. Mas e se não? E se continuar essa mesma bosta gigante e fedorenta para sempre? Talvez fosse melhor parar por aqui. Sabe, acabar antes de piorar? Pode chamar do que quiser, nesse ponto ela está pouco se fudendo para o que pensam dela, penso eu. Cansou de ser um peso morto, de ser decepcionante, desapontante, nunca fazer o certo, nunca ser o orgulho de ninguém por tempo suficiente. Cansou de estar mais perdida que tudo e de a cobrarem que se ache. Ela vai, cega, pelo labirinto, tateando os muros, enquanto escuta os latidos dos cachorros raivosos que estão por perto. Ela sabe que se eles pudessem falar estariam dizendo: se ache! Se encontre! Quem você pensa que é pra ficar perdida no nosso território? Se ache ou nós vamos acabar com você. É, dramático. Talvez seja influencia da situação. Os remédios continuam ali. Por que diabos ela foi parar para escreve? Ninguém mais se importa. Estou sentindo cheiro de hesitação. Ela escuta o abrir e fechar das gavetas, mas sabe que ninguém vai entrar no seu quarto. Todos estão ocupados, e as decepções consecutivas que ela causa não valem uma ida até lá. Que fique claro que ela nunca matou, roubou ou se drogou...penso eu. O amor foi embora, sem perspectiva de voltar. Os remédios, ah, estes continuam lá. Ela repara em como ficou bonita a cena, eles jogados na caneca, aleatoriamente, coloridos. O amarelo é tão bonito. Acho que vai ser o primeiro que eu vou tomar, pensou ela e não eu. Eu tomaria o vermelho. Não me pergunte o porquê. Alguém me diz o que eu digo pra essa menina! Que vai passar? Não, não vai. Eu sei. Mas talvez ela possa conviver com isso ou se rebelar, ir embora. Mas ela só vai ficar mais sozinha do que já é. O amarelo é realmente bonito. Talvez devesse mesmo ser o primeiro.   

sexta-feira, 16 de março de 2012

"É uma pura invenção que existe"

“O diabo existe. É uma pura invenção que existe”. Foi exatamente esta frase que a professora de Escrita Criativa nos deu para que tivéssemos ideias sobre. Não especificou ideias para quê, só quis que, em lugares diferentes, nós pensássemos sobre ela. Saí da aula pensando que eu nunca conseguiria interpretar a frase através de cenas do meu cotidiano. Sempre fui uma pessoa muito otimista e, além de tudo, estou em Coimbra, uma cidade linda. Mas já que era um exercício para levar na próxima aula, resolvi tentar. Não parei em lugares específicos para pensar, preferi ir vivendo normalmente, e, quem sabe, no meio das minhas andanças pela cidade, uma ideia surgiria, e eu, com caneta e papel a postos, relataria o que eu pensei e em que lugar.

Desde o dia da última aula, já andei um bocado pela cidade, já vi muitas pessoas, mas não consegui ter ideias para a maldita frase. Aliás, só consegui pensar sobre uma parte específica dela “é uma pura invenção”. Isso mesmo, não passa de uma invenção. Foi somente isso que eu consegui apreender prestando atenção nas coisas ao meu redor. Talvez porque as pessoas aqui sejam educadas e solícitas ao extremo e todo dia eu me surpreenda com a gentileza de algum desconhecido. Ou porque enquanto caminho pela cidade vejo os bebês mais fofos do mundo, ou porque me encanto toda vez que passo por uma certa árvore coberta de flores, ou porque fiquei extremamente feliz em um dia que acordei e comi pão com ovo (é, intercambista fica feliz com muito pouco), ou porque eu aprendi a fazer meu próprio almoço. Ou, quem sabe, seja porque fico só sorrisos quando falo com meus pais no skype, ou porque comprei uma blusa linda por apenas um euro. É por tudo isso que eu penso que essa história de diabo não passa mesmo de uma invenção.

Estava pronta para chegar à aula sexta-feira e falar para a professora que eu simplesmente não consegui ter ideias relacionadas a frase toda. Mas então, quarta-feira, fui fazer um trabalho em um café perto de casa. Estava tudo indo muito bem: eu e mais dois amigos fazendo trabalho e tomando um café, vendo gente bonita, o clima estava bom e estávamos ouvindo músicas legais. Até que aconteceu. Do som do café, que, aliás, estava bem acima da nossa mesa, começou a tocar Roxanne, dos The Police. E foi então que eu me dei conta, essa invenção existe sim. E como existe. E sabe por quê? Porque tem alguém lá do outro lado do oceano, lá no Brasil, que vivia cantando essa música. E cantava com uma empolgação digna de quem está se apresentando para uma multidão. Ele cantava e eu ria. E foi então que eu tive uma ideia pra essa história toda de “pura invenção que existe”. Eu percebi que ela existe sim, e se chama distância.

sábado, 12 de junho de 2010

A flor no cimento


Ela simplesmente desistira. Já sofrera demais, já vira coisas demais que preferia nunca ter visto. Tudo isto a marcara de um jeito que ninguém imaginou; foi saindo de casa cada vez menos, foi ficando cada vez mais sozinha. Preferia assim, a certeza de nada de mal lhe atingir, a segurança. Passava tardes inteiras lendo. Tudo estava bem. Gostava de aprender, lia muito sobre tudo, sabia muito. Às vezes só queria ter com quem compartilhar todas as informações que possuía, mas se esse era o preço da segurança, tudo bem.
Ela tinha um único amigo no mundo, ele morava na mesma cidade que ela, mas nunca haviam se visto. Falavam-se através de cartas, já que nem telefone ela possuía. No dia que as cartas dele chegavam ela sentia uma alegria tão grande, e ia correndo respondê-las. Ele sabia de tudo sobre ela, os medos, as incertezas. Ele tinha outros amigos, saía, ia a universidade, não gostava muito de estudar. Mas ele via nela algo de especial, ele queria ajudá-la.
Certo dia, mesmo depois de muitos avisos de nunca ir a casa dela, ele foi. Tocou a campainha e esperou. Esperou, esperou e esperou. Ela estava do outro lado da porta, decidindo se abriria ou não a porta. Quem era aquele rapaz? O que ele queria? Por que viera perturbá-la? Depois de um tempo, gritou e perguntou quem era. E ele disse que era um amigo. Ela abriu a porta o suficiente pra deixar a mostra só seus olhos e seu nariz. Ele explicou o motivo da visita, precisava conversar com ela. Deixou-o entrar. Sentaram no sofá, e ficaram um tempo em silêncio. Ele começou falando sobre o fato dela não sair de casa, e ela disse que era melhor assim, tinha muita coisa ruim e feia lá fora. Ele disse que era verdade, que todas as pessoas do mundo vêm coisas horrendas, decepcionam-se, choram. Todos têm dias incrivelmente ruins, em que pensam que era melhor realmente não terem saído de casa. Mas, além disso, há os dias bons, aqueles que fazem as pessoas esquecerem os dias ruins. Os dias em que há gargalhada, amigos, amores, beijos, sorvete, cinema, flores, abraços, parque, mãos dadas, piada. Dias comuns que viram especiais por conta de algum elemento que muitas vezes não se dá importância, e ela estava perdendo. Ele disse que sabia que dentro de casa ela estaria segura. Segura e só. Ela estava perdendo o próprio viver, afinal, era nisso que consistia, nas tristezas e felicidades que nos faz ser quem somos. As tristezas e medos que ensinam tanta coisa, e as pequenas alegrias que mostram que muita coisa ainda vale à pena. Quanto tempo fazia que ela não via um bebê sorrir? Ou um casal de velhinhos andando de mãos dadas? Ela estava perdendo. Ela não via as coisas horrendas, verdade. Mas ela também não via as maravilhas. “No final de tudo, o que você contará, que passou a vida toda vendo a vida passar pela janela da sala?”
Ela demorou um pouco pra absorver todas aquelas idéias, ela levantou e foi até a janela. No muro da casa da frente uma florzinha nascia, no meio de todo o cimento, ela crescia. A menina então foi em direção a porta, abriu-a e saiu de casa.

domingo, 18 de abril de 2010

A menina da chuva

Ela tinha 19 anos e estava no terceiro período de jornalismo. Era até bonitinha, mas o que mais chamava atenção nela eram seus olhos, cor de chuva. Acinzentados, na exata cor do céu durante um temporal. Sua mãe lhe disse que ela nasceu no dia que mais chovera na cidade, todas as ruas ficaram alagadas; e ela achava que era por isso que a menina gostava tanto assim da chuva.
Quando era pequena e via as gotas caírem do céu, corria até a rua e ficava lá, pulando, dançando, até que a chuva acabasse. A mãe já perdera as contas de quantas vezes tinha acordado no meio de uma noite chuvosa e a menina não estava na cama, estava lá fora, tomando banho de chuva.
Agora ela não faz mais isso, mas a chuva mexe com ela. É só o céu ficar mais escuro que ela corre para a janela mais próxima; aquele cheiro a renova.
Ela sempre foi uma ótima aluna, quer dizer, dependendo da estação. No verão sempre tirava ótimas notas. Já no inverno a história era outra. A mãe já tinha tentado de tudo: psicólogo, mãe-de-santo, e nada. Quando a perguntavam o que acontecei no inverno, ela dizia que não sabia, que sempre foi assim.
Mas a verdade é que quando começa a chover, ela não consegue estudar nem fazer qualquer outra coisa. Ela simplesmente não conseguer pensar em desperdiçar aquele cheiro, aquele barulhinho, aquelo friozinho fazendo alguma coisa. Logo que a chuva começa, ela vai direto para uma janela sentir no rosto a chuva, depois, ela deita na cama e põe um filme, se continuar chovendo, ela lê um pouco, e se ainda continuar, ela apenas fica deitada, em silêncio, escutando as gotinhas na janela.
Depois de um certo dia chuvoso, ela foi a universidade, e o professor perguntou porque ela não tinha feito o trabalho que ele pedira para hoje. Ela parou, pensou e decidiu falar a verdade, então disse:
- Ontem choveu, professor.

segunda-feira, 29 de março de 2010




Eu tava com frio e ainda por cima resfriada, aí ele teve essa brilhante ideia de me aquecer. Mas é por essas e outras que eu o amo.

Feliz aniversário, pequeno :*

segunda-feira, 8 de março de 2010

Ás vezes, enquanto eu estou distraída assistindo algo ou fazendo alguma outra coisa, ele fica olhando pra mim. Quando me dou conta e viro, lá está ele, quieto, só olhando. E é então que eu sei que eu não deveria estar em nenhum outro lugar do mundo naquele momento; ali, sob os olhos dele é o meu lugar.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sobre um sonho

Não lembro do comecinho do sonho, de onde me lembro eu estava numa escada, como aquelas escadas de prédio, escuras. Eu subia e descia freneticamente tentando achar meu apartamento, mas não conseguia, nunca chegava a lugar nenhum. A escada mudava, ás vezes parecia a escada de um prédio antigo e outras vezes de um prédio mais novo, mas independente disso eu nunca achava uma saída. Eu escutava as pessoas falando através das paredes, subia, subia e só via concreto em volta, aí eu descia, descia, e mais parede, aquelas escadas não levavam a lugar algum. Depois de muito subir e descer eu finalmente achei meu apartamento, era grande, com uma varanda enorme. Fui logo pra varanda. Era como se eu morasse no 30º andar, era muito alto. Eu olhava lá pra baixo, e além das piscinas do prédio, via um cavalo branco, lindo; algo parecido com um carrossel e uma árvore que parecia ter saído de um quadro. As folhas da árvore eram quase imateriais de tão leve, pareciam simplesmente pinceladas, e entre as folhas eu via vários pontos cor de rosa, flores. Havia um vento suave e compassado e as folhas da árvore iam de um lado para outro. Eu via aquela cena e tinha certeza que já a tinha visto antes, tinha certeza de que tudo aquilo estava exatamente certo, tudo se encaixava, tudo estava no seu lugar, tudo era tão lindo. De repente, meu deu uma vontade de pular. Não era bem uma vontade, era mais como algo que eu sabia que devia fazer, mas havia o medo, claro. Daí fechei os olhos, e quando abri, o cavalo branco não estava mais lá, havia outros, mas não o branco, e eu sabia que não poderia pular se ele não estivesse ali. Depois de um tempo ele apareceu, e entrou na piscina, aí eu soube que poderia pular e nada me aconteceria. Lembrei de um texto que li no curso de português sobre uma mulher que estava pra se jogar do prédio, e o texto dizia que quando ela se jogou, foi um dos melhores momentos da sua vida, ela se sentiu livre. Eu me joguei, e não tive medo, foi uma sensação maravilhosa, não parecia que eu estava caindo e sim que eu estava flutuando, planando. Cai dentro da piscina e lá estava um menininho, ele me lembrou alguém, mas eu não consegui saber de cara quem era. Ele me disse que aquilo tudo não era verdade, que nem ele era real, que cada pessoa o via de um jeito diferente. Daí eu percebi, ele era igual ao Mogli, o menino lobo, do desenho. Depois dele dizer que nada daquilo era real, eu perguntei se o sentimento foi real, se o que eu senti quando pulei foi verdadeiro e ele respondeu que não sabia. Então a piscina começou a diminuir, e eu acordei. Durante todo o sonho eu tinha esse sentimento de medo de não acordar, de ficar ali presa para sempre, é como se eu soubesse que estava dormindo, e quando acordei eu pensei: “Ufa, acordei!”.