sábado, 6 de abril de 2013
sexta-feira, 16 de março de 2012
"É uma pura invenção que existe"
“O diabo existe. É uma pura invenção que existe”. Foi exatamente esta frase que a professora de Escrita Criativa nos deu para que tivéssemos ideias sobre. Não especificou ideias para quê, só quis que, em lugares diferentes, nós pensássemos sobre ela. Saí da aula pensando que eu nunca conseguiria interpretar a frase através de cenas do meu cotidiano. Sempre fui uma pessoa muito otimista e, além de tudo, estou em Coimbra, uma cidade linda. Mas já que era um exercício para levar na próxima aula, resolvi tentar. Não parei em lugares específicos para pensar, preferi ir vivendo normalmente, e, quem sabe, no meio das minhas andanças pela cidade, uma ideia surgiria, e eu, com caneta e papel a postos, relataria o que eu pensei e em que lugar.
Desde o dia da última aula, já andei um bocado pela cidade, já vi muitas pessoas, mas não consegui ter ideias para a maldita frase. Aliás, só consegui pensar sobre uma parte específica dela “é uma pura invenção”. Isso mesmo, não passa de uma invenção. Foi somente isso que eu consegui apreender prestando atenção nas coisas ao meu redor. Talvez porque as pessoas aqui sejam educadas e solícitas ao extremo e todo dia eu me surpreenda com a gentileza de algum desconhecido. Ou porque enquanto caminho pela cidade vejo os bebês mais fofos do mundo, ou porque me encanto toda vez que passo por uma certa árvore coberta de flores, ou porque fiquei extremamente feliz em um dia que acordei e comi pão com ovo (é, intercambista fica feliz com muito pouco), ou porque eu aprendi a fazer meu próprio almoço. Ou, quem sabe, seja porque fico só sorrisos quando falo com meus pais no skype, ou porque comprei uma blusa linda por apenas um euro. É por tudo isso que eu penso que essa história de diabo não passa mesmo de uma invenção.
Estava pronta para chegar à aula sexta-feira e falar para a professora que eu simplesmente não consegui ter ideias relacionadas a frase toda. Mas então, quarta-feira, fui fazer um trabalho em um café perto de casa. Estava tudo indo muito bem: eu e mais dois amigos fazendo trabalho e tomando um café, vendo gente bonita, o clima estava bom e estávamos ouvindo músicas legais. Até que aconteceu. Do som do café, que, aliás, estava bem acima da nossa mesa, começou a tocar Roxanne, dos The Police. E foi então que eu me dei conta, essa invenção existe sim. E como existe. E sabe por quê? Porque tem alguém lá do outro lado do oceano, lá no Brasil, que vivia cantando essa música. E cantava com uma empolgação digna de quem está se apresentando para uma multidão. Ele cantava e eu ria. E foi então que eu tive uma ideia pra essa história toda de “pura invenção que existe”. Eu percebi que ela existe sim, e se chama distância.
sábado, 12 de junho de 2010
A flor no cimento
Ela tinha um único amigo no mundo, ele morava na mesma cidade que ela, mas nunca haviam se visto. Falavam-se através de cartas, já que nem telefone ela possuía. No dia que as cartas dele chegavam ela sentia uma alegria tão grande, e ia correndo respondê-las. Ele sabia de tudo sobre ela, os medos, as incertezas. Ele tinha outros amigos, saía, ia a universidade, não gostava muito de estudar. Mas ele via nela algo de especial, ele queria ajudá-la.
Certo dia, mesmo depois de muitos avisos de nunca ir a casa dela, ele foi. Tocou a campainha e esperou. Esperou, esperou e esperou. Ela estava do outro lado da porta, decidindo se abriria ou não a porta. Quem era aquele rapaz? O que ele queria? Por que viera perturbá-la? Depois de um tempo, gritou e perguntou quem era. E ele disse que era um amigo. Ela abriu a porta o suficiente pra deixar a mostra só seus olhos e seu nariz. Ele explicou o motivo da visita, precisava conversar com ela. Deixou-o entrar. Sentaram no sofá, e ficaram um tempo em silêncio. Ele começou falando sobre o fato dela não sair de casa, e ela disse que era melhor assim, tinha muita coisa ruim e feia lá fora. Ele disse que era verdade, que todas as pessoas do mundo vêm coisas horrendas, decepcionam-se, choram. Todos têm dias incrivelmente ruins, em que pensam que era melhor realmente não terem saído de casa. Mas, além disso, há os dias bons, aqueles que fazem as pessoas esquecerem os dias ruins. Os dias em que há gargalhada, amigos, amores, beijos, sorvete, cinema, flores, abraços, parque, mãos dadas, piada. Dias comuns que viram especiais por conta de algum elemento que muitas vezes não se dá importância, e ela estava perdendo. Ele disse que sabia que dentro de casa ela estaria segura. Segura e só. Ela estava perdendo o próprio viver, afinal, era nisso que consistia, nas tristezas e felicidades que nos faz ser quem somos. As tristezas e medos que ensinam tanta coisa, e as pequenas alegrias que mostram que muita coisa ainda vale à pena. Quanto tempo fazia que ela não via um bebê sorrir? Ou um casal de velhinhos andando de mãos dadas? Ela estava perdendo. Ela não via as coisas horrendas, verdade. Mas ela também não via as maravilhas. “No final de tudo, o que você contará, que passou a vida toda vendo a vida passar pela janela da sala?”
Ela demorou um pouco pra absorver todas aquelas idéias, ela levantou e foi até a janela. No muro da casa da frente uma florzinha nascia, no meio de todo o cimento, ela crescia. A menina então foi em direção a porta, abriu-a e saiu de casa.